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Textos

Cidetismo

Tenho vários hábitos, gostos e manias como os têm outras pessoas, embora talvez alguns dos meus gostos ou hábitos não sejam lá os de muitos, como, por exemplo, ler dicionário sem ser pela necessidade de saber o que significa esta ou aquela palavra. Também gostava de ler bula de remédio, como já o disse em outras crônicas. Depois, infelizmente, sem perceber, perdi o hábito de ler bulas. Salvo por necessidade, já não as leio faz tempo. Que pena, pois perco, sem dúvida, conhecimento interessante para a vida e a minha cultura geral.

 

Um desses hábitos é navegar na internet. E assim foi hoje (omito, propositadamente, a data). Entrei no Facebook e lá estava on-line o amigo Mbaku César Phongi – para quem não sabe, o padre César –, que foi pároco em Marabá e há algum tempo, por determinação superior, retornou para seu país, a República Democrática do Congo, sentindo muito, por certo, a saudade dos fiéis. Somos cristãos de confissões diferentes, mas somos amigos (sou presbiteriano e ele, padre, logicamente, é católico apostólico romano).

 

Digo-lhe: “Bom dia! No Brasil, são 8h41. E no seu país, que horas são?” E ele me responde: “Bom dia, grande contador de contos. Gostei do seu estilo. Gostei até da presença do Latim nos seus contos. Aqui são 12:30. O almoço já está pronto.” Foi o bastante para se estabelecer um gostoso diálogo entre amigos que se prolongaria até cair a minha conexão com a rede mundial de computadores.

 

Após a conversa com o padre César e restabelecida a conexão, saí por aí a navegar no mundo virtual, tal qual o faço nos dicionários que possuo e, não muito raramente, nos meus passeios. Fui indo até me deparar com uma rica seleção de crônicas de Clarice Lispector traduzidas em inglês, aí parando na crônica “Miraculous leaves”. Que bom! Tenho paixão por Clarice e já conhecia a dita crônica em português, que tinha lido em 4 de fevereiro de 2008 (às vezes, dato a leitura deste ou daquele texto).

 

Coisas boas da ciência e tecnologia, tanto o conversar com o amigo ilustre, ele lá no seu país e eu aqui no meu, quanto o encontrar uma seleção de crônicas de Clarice Lispector em inglês e poder ler quase como se tivesse o texto fisicamente às mãos, exceto apenas o contato com o papel e a possibilidade de sublinhar com a caneta vermelha, como tanto aprecio. Na crônica, Clarice, linda e elegantemente, fala de milagres e coincidências, bem como explica que cidetismo é a capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes. Daí o título acima, claro.

 

Ganhei o dia. No bate-papo, falara ao padre César da revista Foco Carajás e da coluna que escrevo, passando-lhe inclusivamente o link da revista, para leitura on-line à medida que as edições são disponibilizadas. Por fim, a surpresa agradável: estava pronta a crônica da coluna deste mês. Restava-me apenas escrever – pôr no papel, como ainda se costuma dizer – o que ocorrera nessa junção trivial da amizade com a ciência e a tecnologia. Aquele abraço, padre César!

 

Valdinar Monteiro de Souza
Enviado por Valdinar Monteiro de Souza em 29/10/2013
Alterado em 04/02/2024


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