Recanto Literário

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Textos

O aluguer e o jabuti atrepado
Creio que a maioria dos falantes do Português, pelo menos no Brasil, pensa que é errado falar ou escrever aluguer, em vez de aluguel. Engraçado isso. Já faz anos, durante uma aula de Direito Civil, na Universidade Federal do Pará, uma colega comentou que algumas pessoas dizem aluguer, querendo dizer aluguel, e, quando eu disse que não é errado, ela ficou admirada.

Ela, aliás, até comentou, em tom de brincadeira: “Ah, então quer dizer que quando a gente fala errado, aí é que está certo!” E eu respondi: “É. Isso acontece.” Às vezes, alguém pensa que outrem fala ou escreve algo erradamente, quando, na verdade, aquele é que está enganado e este está certo. Isso, por sinal, deve ocorrer mais do que se imagina. Há até nome para tal fenômeno: hiperurbanismo ou ultracorreção. Com efeito, há muita gente boa por aí a perpetrar ultracorreções contra os outros, e ainda, aparentemente, com laivos de sabedoria. É igual aquela história do “mulher, não: esposa”.

“Aluguer” e seu plural “alugueres” – em vez de “aluguel”, plural “aluguéis” – é a forma preferida no Português de Portugal e já o foi também no Português do Brasil, onde hoje é muito pouco conhecida e, como visto, às vezes até tida por incorreta. Era, por exemplo, a forma empregada no Código Civil de 1916 (Lei n.º 3.071, de 1.º de janeiro de 1916), que vigorou até janeiro de 2003, quando entrou em vigor o Código Civil de 2002 (Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

E jabuti atrepado, que tem que ver com isso? Bom, é que meu falecido pai, à guisa de exemplo em conversas com a gente, gostava de dizer: “Jabuti não se atrepa. Quando se vê um jabuti atrepado, alguém o pôs lá e, quando quebrar a embira, ele vai cair.” Eis aí a lição que me deixou o velho João Belizário. O jabuti atrepado cai. Gente ruim ou mal-agradecida, além de desconhecer auxílios recebidos, não os aproveita.

  Pois bem. Pode-se pensar que falar ou escrever atrepar, em vez de trepar, é errado, mas não é. Não, não é. “Atrepar”, regionalismo popular, é dicionarizado e consta até no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Aliás, “trepar” – que tem vários significados –, quando empregado como brasileirismo popular, com aquele significado conhecido dos adultos e que faz corar os pudibundos, também é dicionarizado.

Coisas da nossa língua, sempre rica e agradável de apreciar. O que ocorre com atrepar, por trepar, é um metaplasmo por adição chamado prótese, que não se confunde com prótase, outro fenômeno gramatical. Aliás, os metaplasmos são de vários tipos e subtipos. E a prótase sempre depende da apódose. Isso tudo, porém, já é outra história. Morou!?...  
Valdinar Monteiro de Souza
Enviado por Valdinar Monteiro de Souza em 22/01/2013


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